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jp no exterior

O Pife é um instrumento mestiço. Mas é possível alcançar seus primórdios pela observação de instrumentos de sopro feitos por povos indígenas de ontem e de hoje.

Esta flauta abaixo é do povo Enawenê-Nawê, do Mato Grosso. Chama-se, em língua nativa, de Iaum Khuá.

 

 

Os índios Guaranis tiveram maior contato com a sociedade europeizada brasileira e paraguaia. Em alguns trechos do território foram aldeados em missões jesuíticas. Suas flautas, portanto, demonstram a influência européia e se assemelham ainda mais ao pífano nordestino. Esta abaixo é dos Guaranis de São Paulo:

Os índios Wai-wai, do Pará, mantém a tradição de fazer flautas de ossos:

Os Tupis faziam, preferencialmente, flautas de ossos (Membi). Porém fabricavam também as Membi-Taquara, flautas de taquara (ou taboca).

Outros povos também utilizam taboca para fazer seus pífanos:

 Povo Nambiquara

Povo Kamaiurá

A formação típica das famosas bandinhas de pife costumam incluir os seguintes instrumentos: Dois pifes (usualmente tocados em terças), zabumba, caixa (ou caixa de guerra ou tarol) e, em algumas, pratos.

Porém é comum que o pife (ou alguma flauta ou teclado simulando o mesmo som) seja usado em músicas de forró e mpb. A formação triângulo, zabumba e sanfona junto ao pife é bastante comum e pode ser encontrada no trabalho de bandas como Cascabulho e Edmilson do Pife.

Músicas de Alceu Valença, Zé ramalho, Geraldo Azevedo, Hermeto Pascoal e muitos outros costumam ter solos de pife para dar uma sonoridade com mais “gosto de terra” e, assim, aperfeiçoar a conexão com o regional.

Os pifeiros costumam produzir seus próprios instrumentos, em uma tradição passada de pai para filho há várias gerações. João do Pife (Banda Dois Irmãos) e seu Raimundo (Cabaçal Irmãos Aniceto) são exemplos deste tipo de artesão-músico que constroem os instrumentos de percussão e os pifes.

 

O som que veio da roça e dos Cariris

José Lourenço da Silva, índio Cariri do Ceará, possuía a alcunha de Aniceto e conhecia o Pife havia tempos. Fundou a Banda Cabaçal Irmãos Aniceto ainda no século XIX.

Foi ouvindo o pai tocar que os filhos aprenderam. Raimundo, Antônio José, João José, Benedito e Cícero tocam adiante hoje a banda. (Cabaçal é sinônimo de banda de Pife naquela região do país).

 

Os integrantes levam a tradição familiar adiante e ensinam os parentes próximos. Segundo o filho Raimundo, já tem gente da quarta geração da banda tocando. Recentemente criaram a banda-mirim, com as crianças que já demonstram incrível talento.

Raimundo fabrica os instrumentos do grupo, que já tocou no exterior apresentando a cultura do Pife. As apresentações do grupo incluem danças incríveis, com agilidade impressionante, apesar da idade avançada de alguns dos integrantes.

O jornalista Pablo Assumpção escreveu um livro chamado “Anicete – quando os índios dançam” que diz que a banda reúne “atores que desempenham uma performance única e que mescla o passo matreiro e intuitivo de cada um com modos ancestrais de dançar e imitar animais, aprendidos com as gerações indígenas da família. É essa performance que evolui em danças e trejeitos bem particulares que os diferencia de qualquer outra banda. Uma espécie de ritual secular que apresenta a força das coisas inéditas”.

 

(Foto: Antônio Vicelmo, Diário do Nordeste)

Homem simples da roça, seu Raimundo deu entrevista à página virtual Overmundo (Aqui: http://www.overmundo.com.br/overblog/mestre-raimundo-irmao-aniceto). Aqui estão alguns trechos:

 

“Foi meu pai quem me ensinou como os índios dança. Meu pai ensinou o Corta Tesoura, o Pula Cobra, o Trancelim…

 

A gente toca pra tudo, a gente toca pra igreja, a gente toca em procissão, nós temos nove noites de novena, em capela a gente toca, em renovação, toca em casamento, pra batizado, aniversário… Nós toca pra tudo, até pra quem já morreu…

Rapaz, eu tenho um comerciozinho, é fraquinho, é só comércio de farinha e goma. Tá fraco, não tem mais comércio não, tá fraquinho. Cinco horas da manhã eu tô armando a barraquinha na feira, fico até cinco horas da tarde, é o dia todim…

A música não sustenta não. A gente ama a música que a gente aprendeu, mas pra viver não dá não. A maior força da gente é a roça, a cultura. Os cachê é pouquinho, não dá pra sobreviver não. Um cachê da banda vai todim. A roça é a maior força da gente…

A roça era na terra dos outros. Nós não tem terra não. Nós pega um pedacinho de terra e planta na terra dos outros.Mas trabalhar na terra dos outros é fraco, viu? Porque a gente não tem condições de comprar um pedacinho de terra pra trabalhar, aí é o jeito trabalhar na terra dos outros”

 

 

 

 

 

 

 

(Zabé toca na gruta em que morou por 25 anos)

Nascida pernambucana, foi para Paraíba ainda menina. Camponesa do sertão, irmã de 15 irmãos (sendo que 8 morreram de fome, sede ou doença)Isabel Marques da Silva sempre utilizou a enxada como instrumento de trabalho. Aprendeu a tocar Pife aos 7 anos, com o irmão Aristides, de quem não se sabe o paradeiro.

E quem disse que a tristeza faz parte da rotina desta senhora de 84 anos? A figura incrível conserva um carisma impressionante e incrível vitalidade! Apesar de as agruras da vida não terem parado só nas já citadas. Com o marido falecido e filhos para criar, a casa de Zabé desmoronou e, sem dinheiro, se viu obrigada a levar a família para dentro de uma gruta, onde morou por 25 anos (!!!). No interior, as grutas são também chamadas de loca e, por isso, Isabel passou a ser conhecida como Zabé da Loca.

Plantando para comer e levando a vida como podia, ensinou aos filhos a arte de tirar som da taboca. Hoje ela vive em um assentamento e recebe uma miúda pensão do estado da Paraíba por serviços cultuais prestados.

Já foi homenageada pela banda Cabruêra e pelo músico Chico César. Recentemente, lançou cd tocando o Pife, instrumento que, por utilizar o fôlego, dificilmente é tocado por idosos. Zabé não para!

Vídeo

A maneira de fazer flauta dos índios brasileiros foi adaptada às necessidades do mestiço brasileiro e às imposições do colonizador branco.  Assim como a Quena (o famoso pífano inca, típico do povo Quechua, dos Andes), o pife brasileiro foi se modificando. Mas os pifeiros mais antigos não esquecem que a origem de tal instrumento veio de seus antepassados índios e caboclos, nas aldeias e nas missões jesuíticas, apesar de modificado e de ser, hoje, um instrumento luso-cafuzo.

A taboca (ou bambu-taquara) é a matéria-prima típica do Pife e é nativa do Brasil. Há diversos registros históricos dela ser utilizada pelos índios para obter som durante a época da colonização. Diversos grupos indígenas continuam utilizando tal material para fazer instrumentos de sopro, entre eles o Fulni-ô de Pernambuco e os Cariri. Os registros contam que era comum também, entre os povos originários, a utilização de ossos para a fabricação de pífanos. O que mostra que o Brasil produz bons pifeiros desde séculos atrás.

Normalmente tocados em duplas, os pifes costumam apresentar uma diferença tonal de terças e, eventualmente, de quartas. A distância tonal de terças entre duas vozes ou instrumentos é comum em toda a América. A música caipira brasileira é cantada assim. Toda a música paraguaia regional é cantada em terças, em especial a Guarânia paraguaia, que possui este nome justamente devido à sua origem Guarani. A música mexicana, com seus corridos, também apresenta a distância tonal de terças e em outros países da América Central se observa o mesmo fenômeno.

O músico Carlos Malta, multiinstrumentista renomado, em seu recente trabalho “Pife Muderno” (com sonoridade de uma autêntica banda de pife) lançou uma música chamada “Paru”. O nome é de um pajé que Malta conheceu e que era um exímio artesão de instrumentos de sopro, os quais foram usados para gravar a música.

Pequenos pífanos de taboca estão presentes também nos Caboclinhos, manifestação cultural em que  simula-se um cortejo de uma aldeia. É muito comum em Pernambuco e também ocorre no Rio Grande do Norte e no Ceará.

Vídeo de Caboclinhos

Houve grande miscigenação. O pife está muito presente no nordeste e, para comprovar isto, encontram-se na internet, fotos de Quilombolas de Caiana dos Crioulos tocando o pife nordestino, como esta abaixo:

Fonte da foto: http://www.flickr.com/photos/naza/147908477/in/set-72057594118081500/

Portanto, não se deve confundir! Pífanos existem em todo o mundo, mas o pife nordestino possui características e tradições próprias, apesar de não haver preconceito em adquirir novas carcterísticas sempre; afinal, as fronteiras são apenas imaginárias. (Só seria ruim para a cultura do Pife se todas as influências novas vierem de um só lugar, um império famoso por ser sempre o gerador da “modernidade”, a quem todos devem imitar).

“O som do Pife veio da floresta. Veio do índio e foi passando de geração em geração até chegar em meu pai” João do Pife

CARUARU – Depois de andar o dia inteiro debaixo do sol inclemente de Caruaru, no agreste Pernambucano, já estava desistindo de encontrar João do Pife. O líder da banda “Dois Irmãos”, um dos conjuntos musicais mais antigos do Brasil, já esteve em 27 países, levando adiante uma tradição passada de pai para filho há muitas gerações. Ao entrar no táxi, frustrado, para ir para o hotel, perguntei uma última vez sobre o paradeiro do músico. “Claro que sei onde ele mora. João do Pife é meu pai”, respondeu o taxista.

A oficina onde João do Pife constrói seus instrumentos fica em uma comunidade afastada, no bairro do Salgado. João estava sentado à porta, junto da mulher. Feliz em receber visitas, mostrou logo o CD da banda. Lançado pela produtora cultural Página 21, o disco faz jus a uma trajetória de 80 anos de banda. “Ave Maria! Foi muita alegria!”, afirma João do Pife sobre o trabalho gravado e concluído no ano passado.

O CD mostra a sonoridade singular da banda, uma fiel representante das bandas de pífanos. Tais conjuntos animam, desde tempos imemoriais, novenas e festas no interior do Brasil, em especial na região Nordeste. O pai de João, Mestre Alfredo dos Santos, foi fundador do grupo e deixou para o filho a arte de tocar e confeccionar o pífano. João conta que o pai deixou também a tarefa de manter a tradição: “Antes de morrer, ele disse pra mim: ‘nossa musiquinha é boa… Não deixa acabar a banda’”.

Pífano é como são chamadas as flautinhas rústicas feitas por músicos-artesãos populares. Porém, quando se fala em pífano no Brasil, refere-se a um modelo exclusivamente nacional, de origem indígena. “O índio foi quem criou o pife”, diz João. “O som do pife foi criado na floresta e, passando de geração em geração, chegou ao meu pai”, conta o músico.

A técnica de fabricação consiste em fazer sete furos, um para boca e seis para os dedos, em um bambuzinho chamado taboca ou taquara. Essa flautinha brasileira ganhou o apelido de pife e, comprovando sua origem pré-colombiana, são tocadas em um intervalo tonal de terças, como na música caipira e em outras manifestações da América Latina. Além dos pifes, as bandas utilizam instrumentos de percussão que são, na maioria das vezes, zabumba, tarol e pratos.

A felicidade de João com o novo disco não se deve apenas à realização pessoal. Para ele, o disco mostra o valor atemporal das bandas de pífano. “Tem cantor que faz sucesso e depois não dá nada. A banda de pife é uma raiz mesmo, não cai o valor de jeito nenhum!”, diz ele.

Amaro Filho, diretor audiovisual e produtor cultural da Página 21, já conhecia João desde os anos 80, quando começou a promover shows dele. Quando surgiu a idéia da produtora fazer um disco de música popular, o nome do artista caruaruense foi lembrado de imediato. “João é um músico de primeira grandeza, um virtuose e um talento nato. João não deve nada a ninguém em termos de talento musical. É um músico tradicional e moderno ao mesmo tempo”.

Com o novo disco, a Banda Dois Irmãos voltou a fazer apresentações em lugares aonde não ia há muito tempo. João conta que fez show em Salvador e Recife, durante o carnaval e, na primeira cidade, deu uma oficina de fabricação de pífanos. “As meninas todas queriam aprender e eu falava: ‘cuidado pra não se queimar!’”, ele conta. Foi somente após uma oficina como esta que o músico conseguiu comprar sua casa, ou “quatro telhas” como ele chama. As aulas aconteceram em 2002, na Universidade da Flórida, e duraram três meses. “Foi difícil, mas desenrolei muita coisa por lá. Valeu a pena” conta João.

O pife sempre esteve presente nos 65 anos de vida de João. Ele sempre sustentou casa e família se apresentando e vendendo seus instrumentos, “todos muito bem afinadinhos”, na famosa feira de Caruaru. Ele passou aos filhos as técnicas musicais, que sempre tocaram ou acompanharam a banda.

A banda atual é composta por Marco Antônio no segundo pife e por filhos de João: Alexandre, Leandro, Cícero e Paulo. O neto Jonas, de 8 anos, também já deixa o avô orgulhoso. “Rapaz, ele já toca! Dei três pifes para ele!”, diz o avô-coruja. Amaro Filho lembra outra característica de João: “É um músico preocupado em repassar sua arte, um formador.” De fato, ele trabalhou na formação de cinco bandas de pífanos no interior de Pernambuco e confeccionou 250 pifes para oficinas para crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, ministradas pelo renomado instrumentista Carlos Malta.

O músico carioca, aliás, também encomendou instrumentos de João do Pife para a realização de um disco seu. Amaro comenta também a falta de espaço nos meios de comunicação para João e para a arte popular. “Em um país sério, ele já seria patrimônio da cultura nacional” diz o produtor. João faz coro: “O artista precisa ser mais valorizado, aparecer mais” diz ele, cheio de razão. “Tá na mão dos poderosos”, completa. Apesar das dificuldades, a família segue firme gerando frutos, assim como as árvores cujas raízes são fortes.

Retrato fiel dos artistas populares do Brasil, João do Pife e a Banda Dois Irmãos preferem não se vender à indústria ou aos modismos e mantém viva a arte de criar sons. “É minha vida” diz João. “Corre no sangue! Eu me sinto bem furando taboca, fazendo pife!”.  (Texto inicialmente publicado no Portal PUC-Rio Digital)

(João do Pife dando aulas na Flórida)

Para assistir ao vídeo do João do Pife no YouTube, clique aqui

Mais informações sobre João do Pife e Banda Dois Irmãos aqui.

 

 

Pífano, pífaro e pife são a mesma coisa. Um instrumento de influência indígena feito de taboca, uma espécie de bambu, com sete orifícios, um para soprar e seis para dedilhar. Às vezes também são feitos de canos de PVC ou de canos de metal, mas não têm a mesma sonoridade nem a mesma beleza.

Existem duas maneiras tradicionais de tocar esse instrumento: em dueto (dois pífanos), acompanhado do ritmo da zabumba, pratos, caixa e contra-surdo, que são as famosas “Bandas de Pífanos”; e com o pífano solo acompanhado de sanfona, cavaquinho, violão de sete cordas, pandeiro e ganzá. No caso das bandinhas, os dois pífanos tocam em intervalos de terças, às vezes de quartas e em algumas passagens provocam dissonâncias incríveis.

Às vezes é difícil acreditar como um instrumento tão simples é capaz de produzir uma música tão rica e bela, animar festas, procissões e ainda ser o sustento de muitos músicos no nordeste. Geralmente, os tocadores fazem seus próprios instrumentos, e uma quantidade maior para vender em feiras e apresentações.

Gilberto Gil é um fã das bandas de pífanos e uma vez li entrevista sua dizendo que a Tropicália nasceu depois que ele viu a Banda de Pífanos de Caruaru ( a dos irmãos Biano) tocando. Caetano Veloso colocou uma letra em “Pipoca Moderna”, de Sebastião Biano. Eu gravei um frevo de rua chamado “Bianos no Frevo” no LP Asas da América vol.3 que termina com “A Briga do Cachorro com a Onça”, música tradicional das bandas – que é executada por quase todas elas. Nelson Ferreira, um dos grandes compositores de frevo, tem o seu famoso “Esquenta Muié”, um explosivo frevo de rua que começa com uma alusão aos pífanos. Eu fiz muitos duetos de flauta e guitarras com o guitarrista Paulo Rafael imitando os pífanos quando acompanhávamos cantores em shows e gravações.

O som desses instrumentos influenciou muitos compositores e arranjadores brasileiros. Está marcados na música de Lenine, Quinteto Violado, Hermeto Pascoal, Xangai, Egberto Gismonte, Geraldo Azevedo, Naná Vasconcelos, Cascabulho, Orquestra Armorial, Antúlio Madureira, Carlos Malta (que não é nordestino mas tem um disco belíssimo chamado “Pife Moderno”, que é simplesmente demais!) e outros tantos que não me lembro agora.

As bandas também são conhecidas como “Esquenta Muié”, “Terno de Pífanos” e “Zabumba”, dependendo da região.

As maiores características do tocador de pife é ser humilde e não entender nada de música. Faz por pura intuição e inspiração. Edmílson do Pífano, um dos maiores tocadores que eu conheço, me disse que fazia música no ônibus, quando viajava e via as músicas passando pela janela. Sebastião Biano me disse que sustenido era “meio dedo no buraco”. Depois de “são as teclas pretas do piano”, definição dada por um antigo professor de música, essa foi a melhor explicação que ouvi sobre sustenido. Agora, diga que não é !

Em julho de 1997, tive o prazer de dar uma canja com a Banda de Pífanos Dois Irmãos de Caruaru, no Central Park, em Nova York. Foi um momento inesquecível, os americanos não deixavam a gente sair do palco. No fim da apresentação, descemos e fomos pra cima do público, que caiu no forró fazendo a poeira subir. Pra encerrar, vai uma frase de João do Pife, de Caruaru:

“Eu faço pife, toco pife, vendo pife, por isso estou assim pifado!”

* Zé da Flauta é músico, produtor e coordenador musical da Fundação de Cultura Cidade do Recife